Os principais símbolos da Jamaica são diretamente associados com a maconha. Bob Marley é, até hoje, um dos maiores ídolos assumidamente maconhista. A história e princípios do movimento rastafári são pouquíssimos explorados, mas todos sabem da relação da religião com a erva.
Como o uso de maconha é proibido na grande maioria dos países, todo assunto que envolve a planta torna-se automaticamente polêmico, o que só resulta em desinformação. E tal desinformação faz com que muitos pensem a Jamaica como o paraíso dos maconhistas. O Falando de Viagem esteve na ilha caribenha para desvendar qual é a verdadeira relação do país com a droga.
A história da Jamaica com a Cannabis
Nos anos 30, o rastafári nasceu na Jamaica a partir de descendentes de escravizados africanos. O movimento que combina religião com o social tem como principais crenças a reconexão com as raízes africanas e proclamação do último imperador da Etiópia, Haile Selassie, como a representação de Jah, o messias negro.
Estes princípios norteiam a cultura rasta. As cores verde, dourado e vermelho são as mesmas da bandeira da Etiópia. O leão representa a savana africana. E os dreadlocks, a culinária vegetariana e o cannabis, chamado de ganja pelos rastafáris, são símbolos da aproximação da natureza. Naturalmente, este estilo de vida é refletido nas letras do reggae, o estilo musical jamaicano.
Para os rastas, o corpo é um templo a ser preservado. O que significa que os adeptos não devem consumir álcool ou tabaco, comer alimentos que não sejam saudáveis, cortar o cabelo e fazer uso de remédios que não sejam naturais. É nesta última prática que a ganja entra mais uma vez. Mas é importante deixar claro que nem todo rasta fuma maconha. Este, de forma alguma, é um pré-requisito para fazer parte de religião. É apenas uma escolha.
Hoje, há uma forte luta científica para que o uso medicinal da maconha seja aceito mesmo nos países em que o uso recreativo é criminalizado, uma vez que os efeitos positivos para diversas doenças estão constantemente sendo comprovados. Neste sentido, os rastafáris podem ser considerados visionários. A religião prega que qualquer enfermidade pode e deve ser curada com a própria natureza, e nada além dela. E a maconha é apenas uma das ervas usadas como medicinais pelos rastas -assim como a mastigação da folha de coca é para os Incas.
Com o rastafári, o cannabis rapidamente tornou-se símbolo do movimento negro na Jamaica. Como resposta, a elite branca conservadora descendente de senhores de escravos passou a repudiar a planta, iniciando uma verdadeira caça às bruxas. Como estes grupos sempre compuseram o topo da pirâmide social, o governo cedeu à pressão e instituiu penas severas para o uso de maconha, até mesmo o para uso religioso.
Afinal: a maconha é legalizada na Jamaica?
O mais irônico disso tudo é que apesar da fama, o uso recreativo da maconha nem é legal na Jamaica. Na verdade, o país aderiu a política de descriminalização recentemente, em 2015, pelo potencial econômico. E ainda sim, apenas para o uso medicinal, científico e religioso, com prescrição médica.
Assim como acontece na Califórnia, é fácil conseguir a prescrição médica e, na prática, o uso, para muitos, é recreativo. Cada indivíduo só pode portar até 56 gramas de cannabis e a compra e uso são apenas para maiores 18 anos. Quem estiver fora destas regras poderá ser preso por porte ilegal. Além de comprar, cada cidadão jamaicano maior de idade pode ter até cinco pés de cannabis para uso próprio. Já para os rastafáris, não há limite, pois entende-se que o uso é religioso. Também há a proibição do fumo em locais públicos e a usuários sem prescrição médica ou licença científica e religiosa; a punição nestes casos é com uma multa de 500 dólares jamaicanos.
Como a maioria dos viajantes não conhece meios para garantir a licença para o uso legal, é muito comum que em áreas mais turísticas, como Ocho Rios e Montego Bay, ainda haja tráfico. É comum ouvir sussurros de "Want weed? Want weed?" ao passear pelas ruas.
Uma opção legal (literalmente) para quem quer fazer turismo canábico na Jamaica é visitar uma plantação de maconha. A mais famosa delas é a Kaya Herb House, em Ocho Rios, que é o primeiro laboratório de cannabis medicinal na Jamaica. Lá, turistas conseguem fumar porque há um médico que concede receitas para condições mais ''simples'', como ansiedade, enxaqueca e insônia. Por isso, após o tour, é possível comprar e experimentar as plantas no coffee shop da propriedade de forma totalmente segura e dentro da lei.
Mas também há várias plantações menores, no melhor estilo 'fundo de quintal’ dos próprios rastas que recebem turistas como renda extra. A mais conhecida delas é a Orange Hill, em Negril. Este tipo de passeio é interessante para quem quer conhecer a relação da maconha com os jamaicanos de forma mais tradicional, sem ser em grandes instituições.
Estereótipos X Realidade
Conclui-se, portanto, que a relação da Jamaica com a maconha é tão burocrática como em qualquer outro país. Inclusive, o fato da mudança na política da droga só ter acontecido recentemente pode ser até visto de forma problemática; afinal, foram anos de história e cultura rastafári ignorados.
Como o reggae foi o produto cultural responsável por apresentar o estilo de vida jamaicano para o mundo, muitos turistas pensam que todos na Jamaica são rastas e fumam ganja. Este é um estereótipo tão simplista como pensar que todo brasileiro sabe sambar, jogar futebol e cozinhar feijoada.
Ao viajar para a Jamaica, você encontrará muitas souvenirs com estampa de maconha. Mas estes são produtos totalmente voltados para os turistas. A realidade é que para os jamaicanos, a maconha é tratada com naturalidade, sem alvoroço. É claro que muitos são usuários, mas muitos não são - assim como em qualquer lugar do mundo. A religião rastafári deve ser respeitada como qualquer outra manifestação cultural. Independentemente de sua crença ou opinião sobre a maconha, é preciso ter empatia com as escolhas do outro. Principalmente quando este outro está em casa e você é apenas o visitante. Respeito, sempre.