Plantar maconha para extrair óleo de uso medicinal não configura crime de tráfico de drogas, por falta de tipicidade material. Por isso, quem puder comprovar a necessidade de tratamento pode receber salvo-conduto para cultivar a erva sem risco de ser criminalizado por buscar seu direito fundamental à saúde.
Brasil não tem regulamentação sobre plantio de maconha para produzir óleo medicinal. Com esse entendimento, a 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça concedeu a ordem de ofício em Habeas Corpus para permitir que uma pessoa faça o plantio de maconha para extração de óleos medicinais.
Atuaram na causa os advogados Rodrigo Mesquita, do escritório Melo Mesquita Advogados, Ciro Chagas e André Hespanhol, ambos do Chagas &
Hespanhol Advogados.
A decisão também autoriza a importação de sementes de maconha, conduta que já não era considerada crime pela jurisprudência do próprio STJ.
O julgamento representa uma mudança de posição do colegiado e, mais do que isso, a unificação da jurisprudência. Em junho, a 6ª Turma, que também julga casos criminais, abriu as portas para a concessão de salvo-conduto em favor de pacientes que, em tese, poderiam ser processados por tráfico de drogas.
Até então, a 5ª Turma tinha precedente indicando que não caberia se imiscuir em um tema que ainda não tem definição administrativa. O problema, como mostrou a revista eletrônica Consultor Jurídico, é que o Brasil precisa de uma regulamentação efetiva, motivo que tem levado o Judiciário a preencher as lacunas normativas sobre o tema.
Esse processo ocorreu de maneira paulatina, com registro de decisões que, por exemplo, determinaram que planos de saúde fornecessem de medicamentos à base de canabidiol e que autorizaram farmácias de manipulação a comercializar esse tipo de produto.
Na seara penal, juízos de primeiro grau, de Juizados Especiais e até Tribunais de Justiça com posicionamento penalmente rigoroso, como o de São Paulo, passaram a entender que não cabe a persecução penal quando o plantio de maconha, nos limites da lei e sob fiscalização de órgãos sanitários, destina-se à extração do óleo do canabidiol.
HC relatada pelo ministro Reynaldo Soares da Fonseca unifica jurisprudência no STJ
Rafael Luz
"Para fins penais, não é possível mais o estado juiz fechar olhos e entender que as pessoas que estão procurando o direito fundamental à saúde são criminosas ou estão passíveis de prisão", afirmou o relator no HC julgado na 5ª Turma, ministro Reynaldo Soares da Fonseca.
No caso concreto, o objetivo do paciente é cultivar maconha e fazer, ele próprio a extração do óleo usado no tratamento médico prescrito.
Em uma nova análise do tema, o ministro Reynaldo destacou que delegar a decisão à seara cível vai se mostrar mais onerosa e burocrática para o cidadão, inclusive com riscos à continuidade do tratamento prescrito.
"Diante da omissão estatal em regulamentar o plantio para o uso medicinal da maconha, não é coerente que o mesmo Estado que preza pela saúde da população e reconhece benefícios medicinais da cannabis sativa condicione o uso da terapia àqueles que possuem dinheiro para aquisição do medicamento, em regra importado", disse.
A concessão da ordem autoriza o paciente a plantar e transportar a maconha até o laboratório da Universidade de Brasília ou a outras instituições dedicadas a pesquisa, para análise do material, sempre nos limites da prescrição médica. "Esse ponto é muito importante", ressaltou o relator. A votação na 5ª Turma foi unânime.
Secretário-Geral da recém-criada Comissão do Direito do
Setor da Cannabis Medicinal da OAB do Rio de Janeiro, Rodrigo Mesquita classificou a decisão como articulada com a dimensão regulatória e sobretudo constitucional da matéria, pois o tema diz respeito ao direito à saúde e à vida digna das pessoas.
“Os tribunais, por uma questão de racionalidade, devem seguir o entendimento de que não comete crime quem cultiva cannabis para uso comprovadamente medicinal e que o habeas corpus é instrumento adequado para resguardar a liberdade de quem precisa realizar essa conduta. E com maior previsibilidade e segurança jurídica a tendência é que pedidos do tipo cheguem cada vez mais ao judiciário, o que pode enfim chamar os demais poderes ao dever de regulamentar a Lei de Drogas nessa parte”, disse.
HC 779.289